segunda-feira, 22 de maio de 2017

No Meio do Mar Plantados


Ainda hoje me espanto com a ideia de que a mil e quinhentos quilómetros a oeste da costa continental portuguesa, existe um outro Portugal. Uma outra dimensão do país que é, inesperadamente, uma extensão ou realidade paralela, nunca deixando de ser parte do todo. Os Açores são um Portugal tão português quanto o restante, mas que de um modo tão surpreendente quanto interessante, aportam uma diversidade, dimensão e profundidade únicas ao país, afinal não somente, à beira-mar plantado.

Aterrar no aeroporto da ilha de São Miguel, João Paulo II, é um momento belo e apreciável, pela paisagem viva e verdejante envolta, que ornamenta os vários promontórios que avistamos, assim como pela cidade de Ponta Delgada aposta, que nos enche a vista quando lá aterramos ou levantamos voo. Chegados, dá-se outro valor ao aeroporto Humberto Delgado, mais sofisticado, complexo e portentoso, como não poderia o deixar de ser também, pela sua localização na capital. Em oposição, nestas ilhas atlânticas não passam tantos voos, mas não deixa de haver uma estrutura aeroportuária funcional, agradável e aconchegante, que nos acolhe no início da viagem.

Quando lá voei, ia abrir, a potenciais compradores, a porta de uma casa que estava à venda. E isto no lado oposto da ilha, a Ponta Delgada, o que me permitiu então calcorrear uma parte do seu território. Fui até Santo António, a Calhetas, onde pelo caminho, em Capelas, pude vislumbrar uma formação rochosa na recortada encosta da ilha, e que ao longe se confundia com o perfil de um elefante a distender a tromba à água oceânica. Depois seguiram-se os Fenais da Luz, assim como a freguesia de Rabo de Peixe, onde sobressaíam a pobreza, o consumo de droga e, em última análise, a degradação da vida, sendo estatisticamente aquela a freguesia mais pobre do país. De seguida, pude conhecer as furnas, junto à Lagoa do Fogo. E se a intensidade da clorofila por lá é distinta, e se esta cor é símbolo de esperança, então por lá mais haverá. Por várias vezes, nesta ilha, dava por mim a recordar-me da Irlanda, e do intenso e carregado manto de relva que a cobria. Os Açores lembram-nos disto.

Outro mistério que pude desvendar nesta ilha, é o sotaque micaelense. De onde virá este fechamento arredondado das vogais, impelido por um contorcionismo vocal das sílabas? Vem da França, pasme-se! Pois, no início da colonização desta ilha vieram vários franceses para a povoar, em conjunto com os portugueses. Outras ilhas, por terem sido colonizadas de outras formas, por exemplo a do Faial, que foi por portugueses e holandeses, deram origem a sotaques distintos neste arquipélago (e tudo isto, em última análise, comprova as teorias de Darwin...).














No regresso a Lisboa, passaria pela Terceira mas devido ao mau tempo no Atlântico (indicava a metereologia), fomos obrigados a pernoitar pelas ilhas. Numa oportunidade única e imprevisível, cruzei-me no hotel pago pela companhia aérea, com o companheiro de causas sociais, o Tito de Morais. Mesmo tão distantes do continente, haveríamos de nos encontrar, a caminho do pequeno-almoço, nos preparos finais para ele ir para a escola onde iria prelecionar, e eu para ir até às Lajes, a caminho de casa. Nesta estadia inesperada, foi também possível calcorrear a Praia da Vitória, que até então apenas conhecia da avenida do Saldanha, onde anos a fio, adorava ir ver os filmes de bollywood e os ciclos da Zero em Comportamento, no já encerrado Cine-estúdio 222. Nesta vila, o sotaque era já padronizado, que tamanha alteridade para o que ouvira horas antes em S. Miguel, me deixou tão curioso e atento, quanto amalgamado. Nesta terra insular, é comum ouvir os locais vangloriarem-se de ser aquele o lugar, durante os últimos cinco séculos, mais português foi, pois aquando da ocupação filipina no continente, o então rei, ainda que por pouco tempo, D. António (Prior do Crato) instalou-se na Terceira, tendo mesmo lá sido instalada a Casa da Moeda. O nome Praia da Vitória, é, também ele, devido a um outro singular episódio da nossa história coletiva, no qual, os liberais liderados por D. Pedro, fizeram sucumbir as tropas absolutistas, do seu irmão D. Miguel. A batalha ocorreu lá, e saindo vitoriosos os primeiros, que depois reinaram o país, ficou assim o nome da localidade.














Os Açores são ilhas diversas, inesperadas e que nos sublimam os sentidos. Compostos por paisagens vivas, feitos de história, e de um sentimento díspar pela terra e pelo mar, são um novo país dentro de Portugal, e agora tanto ao mundo descerrados, que devem ser conhecidos, porque estão ali para nós, no meio do mar, plantados.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Tranquilidade


É a certeza no futuro
de um desenlace ao nosso agrado.
É conseguirmos ver no escuro
mesmo de peito escudado.


É o que sentimos ao ver o oceano
e sentirmo-nos parte dele.
Porque nos invade os sentidos
como se estivéssemos a vivê-lo.

É ouvir a música que acalma,
encerrando os nervos da alma.
Que por segundos, minutos ou horas
nos traz a mente ao espírito, sem pressas nem demoras.

domingo, 14 de maio de 2017

Acreditar ou partir

Engraçado como a história se repete. Ou talvez não... Cem anos depois do milagre de Fátima, e num só dia, o Papa esteve em Portugal, o Sport Lisboa e Benfica sagrou-se tetracampeão nacional de futebol, e, surpresos, admitamo-lo todos (ainda que por uma sistémica descrença nacional), ganhámos a Eurovisão. Para mim, contudo, as duas vitórias não foram surpresa... talvez devesse começar a apostar online

Toda esta conjugação de eventos poderia ser apenas uma coincidência, ou algo de divino. Mas não, cá para mim, não foi uma coisa nem outra, pois a energia anímica vertida sobre a sociedade portuguesa, derivada do primeiro dos três factos, potenciou os outros dois. E interpreto que o Benfica alcançar o "tetra", até seria expectável, mas o Salvador (e lá está a simbologia messiânica do nome, para mais a 13 de maio de 2017) vencer a Eurovisão, caros crentes... desabafem e assumam que isto pode ser considerado milagroso. Talvez seja a reedição dum hipotético milagre que sucede de cem em anos, neste dia, deste mês. E é também curioso que em 1917 as aparições foram largamente adoradas (e instrumentalizadas) na Rússia, em ano de revolução bolchevique, e que à época englobaria Kyiv, (cujo território estaria contudo em disputa) e agora, sucede a vitória do concurso da Eurovisão numa simetria inversa. 

Portugal é hoje em dia, ainda que de um modo escamoteado, um dos países mais católicos e religiosos, do mundo. Pelo que o vigor de um estado laico por cá é questionável. Talvez se verifique um pouco, porque as leis assim o ditam, ou até porque o primeiro-ministro descende de hindus, e esse respeito por esta diversidade transmitir-se-á, em parte, na pesada estrutura vertical da sociedade portuguesa. Lembremo-nos também que Portugal tem a cruz de Cristo estampada seis vezes na sua bandeira... No fundo, a explicação para esta pseudo-laicidade, reside em, por um lado, o "estado laico" ser um princípio republicano francês e em, uma vez mais, termos copiado um conceito legal sem perceber a sua validade por cá, e, por outro lado, em Portugal a religião ser tão estruturante à população, que então, restar-nos-á aceitar esta extrema e inevitável religiosidade, ou partir para outro lugar. Pois não acredito em milagres.


















Fotografia: Sintra.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Motivação

Motiva-me o amor, a paixão
O tempo e a ausência de idade
A vida no campo e na cidade
Assim como o mar e a insularidade.

Movem-me o espaço, a geografia
Os valores e a cidadania
O humano e a humanidade
O humanismo e a verdade.

Se um poeta é um fingidor
Eu não rimo nem sinto
Mas como me comovo e emociono
Eu sou poeta e não minto.



quinta-feira, 4 de maio de 2017

Galapinhos é grande!

A praia de Galapinhos foi este ano eleita a melhor da Europa. Desde os tempos em que lá ia mergulhar com os meus tios e primos de Setúbal, nas férias de verão, que acho isto... e este recanto ainda está no meu top mundial de praias. Galapinhos é grande!



terça-feira, 2 de maio de 2017

Estátuas da Liberdade

Quando regressava a casa vindo das celebrações do primeiro de maio, subi a artéria central do centro de Lisboa, a Avenida da Liberdade. Qualquer alfacinha já lá passou imensas vezes mas acho que quando regressamos e revemos os lugares, há sempre coisas novas que observamos, tal como quando vemos o mesmo filme duas vezes, à segunda há novos pormenores de que nos apercebemos. E assim vi-a de um outro modo.

Ao subir a avenida, um conjunto de estátuas cruzou-se no meu caminho. A primeira de todas, do histórico libertador da América do Sul e Central, Simón Bolívar, a quem se presta uma eterna admiração na República Bolivariana, e lá está o nome dele na etimologia, da Venezuela. Ou na Bolívia, a quem se dedicou todo o nome do país. As árvores da avenida abriram-se num dos passeios laterais, perante o elevado e imponente vulto em bronze verde, deste militar. Ao ler as inscrições na base da estátua, com a lista dos países por ele libertados - Venezuela, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Panamá - é-me despertada uma imagem de gritos de guerra, revolução, sofrimentos e alegrias populares. Como se todas as lutas e batalhas pela independência, feitas de vitórias e derrotas, do vermelho sangue e da água salgada do choro e suor dos militares, ali estivessem plantadas em respeito àquela pessoa. Não deixei de reparar que foi em 1978, ainda no rescaldo da nossa mais recente revolução, que se homenageou aquele prolífico libertador popular.

Mais acima, um busto, também de bronze, no topo de uma coluna branca, que nos dá pela altura do tronco. O vulto é de Chopin, o génio compositor musical, de naturalidade polaca, e a quem se prestou, há pouco tempo atrás, uma tímida homenagem, ali no outrora "Passeio Público". Deste ponto, ao olhar para o outro lado das faixas de rodagem, vislumbrei um imponente trabalho em pedra granítica e bronze, no qual lia, à distância, em letras grandes inscritas na pedra, "Primeira Guerra Mundial", erigido em homenagem às vítimas, guerreiros e sobreviventes portugueses deste nefasto episódio da história contemporânea. Dela emanava dor e sofrimento mas também vitória, nacionalismo e união dos soldados. Enquanto a via, no plano por detrás, harpejava incessante a bandeira na janela do consulado de Espanha, à porta do qual uma patrulha de polícias armados com metralhadoras até aos dentes, por lá se entretinham, para sempre, à procura de um qualquer sinal terrorista, e com que critérios, sabia-se lá. O máximo que viram, terá sido talvez, embora na residência do embaixador, aquando da memorável manifestação de 15 de outubro de 2012. De resto, nada... e a um custo elevado para o erário público.

O pendente desta avenida que se expande desde os Restauradores (lugar de outra importante estátua aos nossos heróis de 1640) até à "Rotunda", intimida mais do que cansa, e por isso depressa subi outro trecho até ao cruzamento com a Alexandre Herculano, onde são homenageados o político Oliveira Martins, o nosso Almeida Garrett, e outro grande escritor, também político liberal e deputado patriota, que dá nome a esta transversal da "Avenida".



Já no topo da estrada e fim da "Liberdade", aguardava-me não uma rotunda, mas antes uma "turbo-rotunda" (versão melhorada da primeira com duas rotundas separadas e concêntricas), inaugurada há poucos anos atrás, mas com um assinalável erro de planeamento na drenagem de águas, identificado no dia da inauguração, por um cidadão anónimo. A estátua, feita de um exagero de pedra e metal, foi feita em honra de alguém que, tendo feito coisas boas por cá, perseguiu e matou muita gente. Sempre que se apura o campeão nacional de futebol, o alvoroço ao redor deste lugar é exagerado, e só possível num país que respeita tanto ou mais este desporto do que a própria religião. Qual a diferença entre os dois? Perguntava-me e refletia enquanto caminhava.

Depois de calcorrear este ex-libris, pelo menos rodoviário, da cidade, não deixava de me orgulhar de que, se na outra costa do Atlântico Norte, há uma estátua da Liberdade, por cá nós temos todas estas as estátuas na "Liberdade".