quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Trevo de Cinco Estrelas

Crónica de Viagem

Já do espaço aéreo se avista o verde. E isso será o que mais se vê nesta ilha. Verde, verde, verde. E diga-se que há também mais esperança por lá do que por cá mas isso fica para outra crónica. A capital Dublin, batizada com o seu nome original celta como “Dublinia”, tem a dimensão perfeita. Não demasiado grande, com cerca de meio milhão de habitantes e com bons acessos, pouco tráfego e o aeroporto a cerca de 20-30 minutos do centro de autocarro. Surpreenda-se quem esperar que lá haverá metro. Não, ou melhor, sim há mas é de superfície. O "tram" ou LUAS como é chamado. A vida no centro da cidade oscila bastante em torno da Dame Street, que está para a capital da Irlanda, assim como a Rua Augusta está para Lisboa. Muito tráfego de carros, pessoas e bicicletas também, tanto das simples, como das mais recentes versões de "tuk-tuk" a pedais. Mesmo ao lado da Dame Street, recomenda-se a incursão pelo bairro do Temple Bar adentro. E o Temple Bar não é na sua origem um Bar, ao contrário do que alguns tentarão apregoar a troco do lucro dos seus estabelecimentos. Temple Bar é sim uma antiga via de comunicação que foi aberta ao longo do Rio Liffey, e em torno da qual, vários negócios se foram instalando com o passar das décadas e séculos. A palavra Bar no inglês mais arcaico tem o significado também de viela, correnteza, caminho. Recomenda-se a passagem por esta área, que é obrigatória mesmo!

No final da Dame Street, no lado oposto ao Trinity College, encontra o mais famoso “fish&chips” da Irlanda. É ultra-pequeno, informal, mas é tão aclamado e famigerado que à sua entrada há uma tabuleta com todas as celebridades que já lá foram partilhar o pouco oxigénio ali existente no meio de tamanho festim da fritura! A comida é boa, mas para nós portugueses habituados à nossa gastronomia, poderá saber a pouco, e a óleo também. Mas isso fará parte do "fish" e das "chips". Para explorar toda esta área que inclui também o Castelo, recomendo as “Free Street Tours”, que começam junto ao antigo edifício da câmara municipal e junto ao teatro. No final haverá uma "chantagenzinha" "suave” para pedir um donativo, mas será bastante razoável dizer que o pagamento de algo ente 5 ou 10 euros por pessoa é merecido. Em Dublin respira-se história. A cidade foi palco de importantes revoluções como por exemplo a Republicana, liderada por Michael Collins, o IRA e o Sein Feinn. A visita à prisão Kilmainham Gaol é um tempo bem despendido para melhor entender as lutas do passado que levaram à libertação deste povo do jugo britânico.

Os evidentes e repetitivos sinais da ocupação da coroa britânica no norte da ilha. 
Desnecessário...

Fora da capital há varias atrações. Um carro alugado, boleia ou bicicleta são hipóteses a considerar mas chegar a alguns dos sítios com uma visita programada de autocarro, para quem estiver com pouco tempo, é igualmente uma boa forma de ir. E os autocarros partem da Dame Street, para nossa surpresa! Muito gravita em torno de lá. A rede viária na ilha é muito boa, se bem que algumas estradas junto à costa ou em zonas mais recônditas poderão ser muito estreitas. Uma das principais atrações da ilha está na ponta norte, a Calçada do Gigante, e a coroa britânica não guardou isto para eles por acaso, parece-me! Trata-se de uma formação geológica muito antiga que originou um conjunto de prismas hexagonais de várias dimensões. Reza contudo a lenda que havia ali um gigante por perto, e no outro lado do canal que separa a ilha da Escócia, outro monstro semelhante. Certo dia, o gigante Irlandês caminhou sobre a calçada para ir falar com o seu homólogo escocês, e lá chegando desgarrou-o para um desafio em solo seu, claro. Esperto! Ao retornar a casa, o gigante irlandês confessou à sua mulher o sucedido, pelo que ela preocupadíssima, decidiu dissuadí-lo dessa briga. Como tal, combinou que assim que o gigante da outra margem batesse à porta iria informar que ali não estaria mais ninguém e disfarçá-lo só para jogar pelo seguro. Assim foi: “Truz-truz”, e ela abriu e falou, ao que o gigante retorquiu “Gostaria de falar com o seu marido.” “Mas aqui não está mais ninguém, só o meu bebé”. Contudo o gigante quis vê-lo. Azar dos diabos para o escocês, o gigante da Irlanda estava disfarçado de bebé, ocupando um enorme espaço do quarto. “Mas que grande bebé aí tem minha senhora” afirmou, e logo depois ele retornou à sua Escócia. Assim reza a lenda... embora não abone muito a favor dos irlandeses. Nesta ponta da ilha vale também a pena espreitar Carrick-a-rede, atravessando a ponte de cordas, se bem que haverá muita gente para fazer esta experiência que é encarada como um desafio físico ao ar-livre, por todos literalmente, desde os miúdos até aos mais idosos. As paisagens claro são bonitas, resplandecentes nos seus tons vivos de verde, e abismais e dramáticas nas suas acentuadas falésias de pedra escura. Também na Irlanda do Norte, a paragem em Belfast justifica-se pois a história de conflitos, tensões e escaramuças é ainda sentida. Desde as bandeiras, ou a omnipresença ou o excesso delas, da Union Jack, penduradas nas janelas apenas porque sim, para afirmar a ocupação, até aos extensos e coloridos murais políticos que podem ser vistos numa zona protestante, que aludindo à paz universal, aos líderes mundiais, aos presos políticos da República da Irlanda e de outros, como por exemplo da ETA, são um conjunto significativo de arte visível para toda a cidade. Mas cuidado, se vão numa visita programada de autocarro, devem estar atentos às horas pois ainda são necessários 20 ou 30 minutos para chegar a pé até este lugar desde o centro, ou da Câmara da Cidade até lá. O táxi é outra hipótese também claro. O museu em honra do Titanic é também uma possibilidade mas fica bastante fora de mão do centro, deverá contudo valer a pena.

À exceção das cidades, dos pontos turísticos e outros legados patrimoniais, esta ilha de cinco milhões de habitantes é na sua essência paisagem. São uma imagem de marca da ilha, tanto na Irlanda, República, assim como na Irlanda do Norte, que por ser bastante plana e por lá abundarem lendas celtas e visigodas, por vezes nos dá a impressão ser na sua essência isso: um enorme planalto verde de trevos de quatro folhas, por entre os quais saltitam seres fantásticos como duendes “lepreachons”, reis, rainhas e espadachins imortais. Nas pontas mais a sul e a oeste, encontram paisagens admiráveis junto a Galway, como nos famigerados Cliffs of Moher, mas que apenas aconselho em dias limpos, em que poderá "inclusive" ver estas falésias do mar em barco. Mas fora destas condições deve pensar-se duas vezes. Em Maio e Junho há mais dias de sol e menos precipitação em toda a ilha pelo que é uma boa opção. Perto de Galway também há um pequeno tesouro guardado sob a forma de vila piscatória. E chama-se Kinvarra. A Ericeira da Irlanda, mas sem uma praia... tão boa pelo menos, claro. Não obstante vale claro a pena, para rever o nosso oceano assim como o braço de água que reentra pela pantanosa doca dos barcos adentro, ladeado por um singelo e apreciável castelo.

Em termos de infra-estruturas e organização dos serviços de apoio ao turista, as duas Irlandas estão muito bem organizadas. Ainda quanto à capital Dublin, as “hop-on hop-off tours” continuam a ser uma valia, apesar do risco associado a ir no piso superior ao ar-livre e de repente começar a chover. E a cultura é omnipresente. As encantadoras e singelas canções celtas assim como a literatura são ubíquas por estas terras. Nota final para o país dos trevos: 5 estrelas. Boa viagem!

Crónica de viagens também publicada no blog do coletivo Portuguese Riders Crew http://portugueseriderscrew.blogspot.pt