quinta-feira, 6 de março de 2008

Registo #4 - Dakar, Senegal

Dakar, Senegal

Começo este registo com uma auto-crítica: Tenho escrito pouco. Pouco e sem regularidade, sem regra nem disciplina. Tenho que mudar isso, pois tem acontecido tanta coisa dia após dia, e quero poder, para sempre, ler e ressentir um pouco que seja os momentos que vivi. Comprometo-me portanto a escrever um registo de viagem por semana, à quarta-feira. Já é o dia do comprimido da malária e passa também a ser o dia de escrever.

Escrevo de Dakar, capital do Senegal. Um cidade aparentemente pacífica e muito mais segura do que muitas cidades europeias. Paris, por exemplo, onde habitam muitos senegaleses e imigrantes da áfrica ocidental, é de certeza mais insegura, violenta e assustadora do que Dakar. Deixa-me a pensar como arrogância dos países mais poderosos do mundo serve para espezinhar as nações mais pobres, propagandeando que são países de guerra. Parece-me que o dinheiro (ou a falta dele) é um dos principais motivos para o crime. “Onde há probreza, há crime”, várias vezes concluímos em conversas de amigos. Quando a falta dinheiro acontece num ambiente de riqueza, num país com uma economia forte, riqueza abundante, leva com certeza ao crime. São disparidades sociais, que originam sentimentos de inveja e ganância. Em áfrica, especialmente na áfrica negra, a pobreza é geral, a solidariedade maior e a entre-ajuda entre irmãos mais presente. A vontade política é determinante também para o estado da nação, e no Senegal, a estabilidade política e ausência de guerras desde há várias décadas, contribuem para um país pacífico, estável e de solidariedade. Quando se entra no Senegal lê-se num cartaz exatamente estas qualidades, e várias vezes ouvi falar da palavra "Teranga", que descreve exatamente o espírito acolhedor e pacífico dos senegaleses.

Senegal - mapa
Mapa do Senegal. Dakar é a ponta mais à esquerda, a vermelho.

Cheguei a Dakar há uma semana no camião dos dois espanhóis, o Frankenstein, como o batizaram. Eles ficaram instalados na pousada Chez Soukeye, na Baía de Ngor, a zona de praias em Dakar (Carcavelos lá do sítio!). Quando cheguei, contatei o primo de Bourama, um amigo senegalês que conheci no projeto de alfabetização de imigrantes, no Bairro 6 de Maio (www.csb6maio.pt.vu), e que me tinha dado contatos da sua família no Senegal. Djerdjef mon ami! O seu primo Amadou mora em Cambéréne, um bairro periférico de Dakar, numa casa simples, com apenas uma divisão e uma varanda, onde guarda uma galinha de estimação. As casas-de-banho no prédio são em átrios comuns e partilhadas pelos habitantes de cada piso. Ao sair do prédio pisam-se estradas de areia que ligam as ruas do bairro.

Fiquei instalado num colchão no pequeno espaço sobrante da casa de Amadou. Sua casa é pequena, mas viver lá é um pequeno esforço até que sua nova casa, uma vivenda nos subúrbios rurais de Dakar, esteja construída. Com ela pretende iniciar um pequeno negócio hoteleiro, alugando os quartos a viajantes, à semelhança da casa onde os espanhóis ficaram: “Chez Soukeye”. A maior sorte te desejo Amadou! Depois de uma noite um casa de Amadou, percebi que era difícil manter-me instalado por lá, e por isso volvi à zona balnear de Dakar – Ngor, e fiquei na casa de hóspedes que os espanhóis me tinham mostrado. Boa onda, bom vibe se sente neste local.

Senegal - la femmeSenegal - le homme
A mulher, a criança e o homem senegaleses.


Depois de dois dias por lá, deixei as ondas do mar e fui surfar para o sofá! Falei com o David, um rapaz americano do Couch Surfing que está a fazer um trabalho de investigação sobre a SIDA no Senegal. Bem, já passaram 5 dias e conheci os seus vizinhos, os seus amigos, mas nem sinal dele! Anda por Louga no norte do país (boas memórias guardo de lá) a trabalhar no seu projeto. Ele não estava em Dakar para me receber mas deixou-me a porta de sua casa “aberta”. Há boa gente no mundo.

Há dois dias estive em casa de uma amiga de David, a Rozy, uma americana de San Francisco, finalizando a sua tese de doutoramento no Senegal. Cozinhei um “Caril Vegetariano à Moda Portuguesa”, pois ela é vegetariana, para todos os seus amigos. A malta curtiu do pitéu, disseram-me eles. Nessa noite conheci uma italiana que tinha feito Erasmus (programa de intercâmbio universitário europeu) em Lisboa, e o modo como falava da cidade mostrava o encanto que guardava de lá. Foi também bom conhecer o seu namorado, que é brasileiro, e deu para matar um pouco a saudade de ouvir a nossa língua.

No dia seguinte fui explorar a Ilha de Gorée, ao largo de Dakar. Um pequeno pedaço de terra rodeado por água, utilizado por nós, portugueses para reter, classificar e enviar escravos africanos para o “Novo Mundo”. Que episódio negro do nosso passado é esse. Foi um dia amargo, sentindo o aprisionamento e o abuso das vidad de milhares de africanos. O homem branco chegou às suas terras, fez-se amigo deles, capturou-os, separou vidas, família e amores, fez o que quis, e enviou-os para o outro lado do mundo. É forte e triste visitar a casa onde os escravos eram aprisionado e depois triados de acordo com a sua altura e peso, e cruzarem então a “Porta sem Retorno” e serem enviados num navio até às Américas. Homens numa sala, mulheres e crianças noutra. Os homens que têm mais do que 1,70 para um lado, os outros para o outro. Os que pesam mais do que 80 kg para um lado, os outros para o outro. Iam nos barcos os que têm maior altura e mais peso, para poderem sobreviver à dureza da viagem.

Ilha de Goree - episodio triste na nossa historia Casa dos Escravos - Ilha de Gorée, Dakar.

Ilha de Goree - porta sem retorno Porta sem Retorno - Ilha de Gorée, Dakar.

Uma amargura do passado pairou forte em mim ao longo de todo o dia. Sem saber bem porquê senti-me no dever de pedir desculpa pelas atrocidades que o povo de onde eu venho cometeu aos africanos. Pedi desculpa à Magi, senegalesa, amiga da Laura italiana que conheci há dias, e que nos deu uma visita guiada à ilha com tratamento V.I.P. . Sim, digo “nos” pois visitei a ilha juntamente com o Masa e a Oh Jiyon, um jovem casal de viajantes orientais. Reparei neles ao comprar o bilhete de barco e salto à vista que ele tinha uma mochila igual à minha. Não tinha visto nenhuma até então e isso foi o motivo da conversa. Ao conversarmos descobri que estamos todos no Couch Surfing e que eles estavam também hospedados em casa de alguém em Dakar. Eles são boa onda e ele vai rumar também ao sul do Senegal, Casamance e depois ao Mali. Parece que já tenho companhia para a viagem!

Ao final do dia, depois de visitar a ilha, fui ao Mercado Sendaga levantar o Boubou (roupa típica da áfrica ocidental) que tinha encomendado. Vejam as fotos!

Senegal - escola de Ngor Escola de Ngor - Dakar, Senegal.
Senegal - portugal!! Bou-Bou - Roupa tradicional da africa ocidental
T-shirt de Portugal na escola. Bou-bou - roupa tradicional da África Ocidental.


Ficam algumas palavras da língua local Wolof:
Djeredjef – obrigado, Nanga def? – como estás?, Magnifiré – muito bem, Hamga – na paz, Djamarek – estás a ver?, Tuti-tuti – um pouco, Alhamdulilah – graças a Alá, Bakha trop – muito bom, Nekhna – bonito, Basubá – ate amanhã, Inch a Lah – Se Deus (Alá) quiser.

E assim chegou ao fim o Lisboa-Dakar 2008, de boleia e em transportes públicos! Parece que afinal não foi cancelado e foi mais ecológico! ahahahah ;)

Abraços, João Aguiar


Música: Youssou N'Dour - Set, Toumani Diabaté - Ya Fama
Leitura: On the Road - Jack Kerouak, Lone Planet West Africa, Lonely Planet Southern Africa